O historiador Edgar Feuchtwanger contou que tinha apenas cinco anos quando Hitler se mudou para a rua onde ele morava com a família.
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Ele se lembra de sua mãe falando naquela época de como eles tinham menos leite porque "o leiteiro deixou muitas garrafas" na casa do líder nazista.
Feuchtwanger cresceu em um bairro rico de Munique e ainda se lembra da primeira vez que viu Hitler caminhando na rua. Foi no começo da década de 30, quando ele saiu para um passeio com sua babá. Na época, tinha oito anos.
Feuchtwanger viu o líder nazista vestido com um casaco e chapéu, saindo de um prédio de apartamentos.
"Ele olhou diretamente para mim. Acho que não sorriu", diz.
Algumas pessoas pararam e gritaram a saudação "heil Hitler". Em resposta, ele levantou o chapéu antes de entrar no carro que o esperava.
"Claro que eu sabia quem ele era, mesmo sendo um menino. Como chanceler, ele dominava toda a cena (política do país)", conta Feuchtwanger.
Sem medo
Naquele momento, porém, a figura de Hitler ainda não gerava medo em Feuchtwanger. "Apenas fiquei curioso de ver ele ali", afirma.
O alemão de 88 anos admite que é estranho lembrar do líder nazista como um vizinho. "Falo sobre como vivi na mesma rua que Hitler como se não fosse grande coisa", diz. "É difícil pensar que pessoas que você viu quase diariamente foram responsáveis por virar o mundo de cabeça para baixo."
Em seu caminho para a escola, Feuchtwanger passava em frente ao prédio onde ficava o luxuoso apartamento do líder nazista, na Prinzregentenplatz, 16, e parava com frequência para tentar ver o chanceler.
"Hitler vinha a Munique nos finais de semana. Sabíamos que ele estava em casa quando podíamos ver os carros estacionados do lado de fora", lembra.
A chegada de Hitler era marcada pelos pneus cantando. Ele vinha em um comboio de três carros, com um grupo de guarda-costas e, logo, um som de botas batendo no chão podia ser ouvido de longe.
Edgar Feuchtwanger e sua mãe (Foto: Arquivo Pessoal)
Edgar conta que sua mãe foi muito corajosa quando seu pai foi levado (Foto: Arquivo Pessoal)
As pessoas costumavam parar para saudar o líder nazista. "Toda a coisa nazista estava sendo inculcada em nós na escola", explica Feuchtwanger, acrescentando que os professores faziam as crianças da época desenharem suásticas ou listar os inimigos da Alemanha.
Visita da Gestapo
Na metade da década de 30 algumas famílias de judeus alemães ainda não se sentiam ameaçadas pelo nazismo, mas isso mudou rapidamente.
O irmão mais velho do pai de Feuchtwanger, Lion, por exemplo, era um autor de teatro famoso por sua posição contra o nazismo e depois de uma viagem, não voltou mais para a Alemanha.
Os pais de Feuchtwanger pensavam que, de alguma forma, poderiam não ser atingidos pelo nazismo.
No dia 10 de novembro de 1938, porém, oficiais da Gestapo foram a casa da família logo pela manhã para levar o pai de Feuchtwanger, Ludwig. "Eles não o trataram mal. Minha mãe foi muito corajosa", conta o historiador.
Pouco depois, a Gestapo voltou com caminhões e caixas para levar os livros mais valiosos da grande biblioteca da família. "Eles disseram que iriam 'garantir a segurança dos livros'", afirma.
Os dois episódios ocorreram em meio a uma grande onda de violência organizada de nazistas contra judeus na Alemanha e partes ocupadas da Áustria.
Presos em casa
O pai de Edgar, Ludwig (Arquivo Pessoal)
Ludwig voltou de Dachau após seis semanas (Foto: Arquivo Pessoal)
A partir deste momento, Feuchtwanger não podia mais sair de casa nem ir para a escola e passou a conviver apenas com a mãe e familiares próximos.
"Nos sentíamos muito impotentes, (pensando) que alguém poderia nos matar e ninguém faria nada."
A família esperou por notícias de Ludwig durante seis semanas e tudo o que sabiam é que ele tinha sido levado com um dos tios de Feuchtwanger para o campo de Dachau, perto de Munique.
Um dia, sem aviso, o pai de Feuchtwanger foi liberado e chegou em casa exausto e doente.
Quando ele voltou, a família tomou a decisão de deixar a Alemanha e, com a ajuda de familiares que já estavam fora do país, todos conseguiram os vistos para ir para a Grã-Bretanha.
Em fevereiro de 1939, Feuchtwanger e seu pai embarcaram em um trem para Londres. Ludwig voltou para pegar o resto da família e, em maio daquele ano, todos estavam na Inglaterra.
Eles nunca mais voltaram à Alemanha e apenas Feuchtwanger visitou Munique na década de 50.
Ele estudou em Cambridge e deu aulas na Universidade de Southampton, além de publicar vários livros de história e biografias. Casou-se com uma britânica e teve três filhos.