Wittgenstein é um pensador incontornável no século XX. Em vida apenas editou uma obra- Tratado Lógico-Filosófico-, com umas escassas dezenas de páginas, mas as bastantes para produzir uma revolução na filosofia. Numa primeira leitura desta obra dir-se-á que pretende acabar com a ética, a filosofia e a religião, tudo aquilo que está desprovido de sentido. Uma leitura mais atenta, descobrimos um pensador que procura preservar o mistério da vida e o que as palavras se revelam incapazes de descrever.
Ludwig Wittgenstein nasceu, em 1889, na então pujante cidade Viena de Áustria. Era filho de um dos homens mais ricos da Europa. Em 1906 entra para a Techinsche Hochschule de Berlim. Dois anos depois ingressa na Universidade de Manchester, com o objetivo de especializar-se em aeronáutica, tendo aí desenhado um motor a reação. Não tarda a abandonar os problemas da técnica, para se dedicar à questão dos fundamentos da matemática. Visita Frege em Iene, e por sugestão deste inscreve-se no curso de Bertrand Russell, no Trinity College em Cambridge (1912-1913), onde rapidamente se destaca pelas suas extraordinárias capacidades intelectuais. Entre 1913 e 1914 vive na Noruega dedicando-se ao estudo de lógica.
Quando eclode a 1ª. Guerra Mundial, em 1914, alista-se no exército austríaco, tendo sido enviado para a linha da frente na Rússia e na Itália. Em Novembro de 1918 é feito prisioneiro pelos italianos, sendo libertado em Agosto do ano seguinte. É durante este dramático período da guerra que redige o seu célebre Tratado Lógico-Filosófico (Tractatus Logico-Philosophicus), publicado apenas em 1921, em alemão, e traduzido em inglês no ano seguinte.
Após ter sido libertado, Wittgenstein resolve desfazer-se da fortuna que herdara em 1913, em virtude da morte de seu pai. Entre 1919 e 1926 tornou-se professor de uma modesta escola primária de província. Finda esta experiência de professor primário, inicia outra, a de jardineiro (1926), envolvendo-se depois na construção de uma casa para uma das suas irmãs (1929).
No final dos anos vinte volta dedicar-se à filosofia, ingressando em 1929 na Universidade de Cambridge, recebendo neste ano o grau de doutor com base na sua obra publicada em 1921. A partir de 1930 Wittgenstein inicia então uma nova fase na sua filosofia, e que será consagrada na sua obra intitulada Investigações Lógicas, publicada postumamente (1953).
Devido à sua origem judaica, Wittgenstein e a sua família são vítimas da perseguição dos nazis, sendo esta espoliada de grande parte dos seus bens. Em 1939 naturaliza-se cidadão britânico, ocupando neste ano em Cambrigde a cátedra de Moore. Durante II Guerra Mundial (1939-1945) ofereceu-se como voluntário para os serviços de saúde de Londres, trabalhando no Guy`s Hospital.
Dois anos depois da Guerra, demite-se da Universidade, passando a viver entre a Irlanda, Oxford e Cambridge. Faleceu em 1951, vitima de um cancro, em casa do seu médico e amigo Dr.Bevan.
A filosofia de Wittgenstein pode ser dividida em dois grandes períodos: Wittgenstein I - Período anterior a 1929, a que corresponde ao Tratado Lógico-Filosófico, assim como à enorme influência que exerce sobre o Círculo de Viena (a que nunca pertenceu) e o neopositivismo; Wittgenstein II -Período posterior a 1930 e a que corresponde as Investigações Filosóficas, destacando-se também a sua grande influência sobre a filosofia analítica em geral, e as escolas de Cambridge e de Oxford em particular.
Wittgenstein I. A linguagem e os seus limites é o tema central do Tratado. Wittgenstein, Russell e outros filósofos seus contemporâneos estavam convencidos que que grande parte dos problemas da filosofia resultavam de um uso imperfeito da linguagem corrente, o que levava a frequentes confusões. Havia pois no seu entender que estabelecer certos limites para o uso da linguagem, isto é, aquilo que faz sentido dizer e aquilo que é destituído de sentido afirmar. Tópicos para a compreensão deste período filosófico:
1. A função da linguagem é descrever a realidade, porque em rigor nada pode ser dado fora da linguagem.
-"Os limites da minha linguagem significa os limites do mundo" (5.6)
- "Que o mundo é meu mundo revela-se no facto de os limites da linguagem ( da linguagem que apenas eu compreendo ) significarem os limites do meu mundo" (5.62)
2.A estrutura lógica da linguagem. A Lógica determina a estrutura da linguagem e é um espelho cuja imagem é o mundo.
-"A lógica não é uma doutrina, é um espelho cuja imagem é o mundo. A Lógica é transcendental". (6.13)
O conjunto de todos os estados de coisas possíveis forma o espaço lógico da linguagem. Nada pode ser descrito fora deste espaço lógico. A lógica é o limite do mundo. Não podemos pensar nada ilógico. No espaço lógico estão contidas todas as possibilidades de existência e de não existência, em suma, tudo aquilo que pode ser dito com sentido.
3.Existe uma isomorfismo entre a linguagem e realidade. Estudando os elementos que compõem a linguagem lógica perfeita sabemos quais são aqueles que compõem a realidade e vice-versa. A linguagem é o espelho do mundo, o que se reflete na sua natureza. É por esta razão que a realidade só pode ser compreendida através da linguagem e o conhecimento consiste na análise da linguagem.
4. A linguagem com sentido não é mais do que um conjunto de proposições que descrevem ou figuram algum estado de coisas possível. O sentido resulta do facto de descreverem algo que acontece na realidade e em última instância é susceptível de ser verificado (ideia que irá ser explorada pelo Círculo de Viena).
5.A linguagem é a totalidade das proposições. Uma proposição é a linguagem expressa em sons, constitui uma figura da realidade, um modelo de uma situação possível (4.01). A proposição, expressão de um pensamento, tem algo em comum com o que é descrito: a forma lógica. A cada elemento da proposição corresponde um objeto da realidade. Se algo ocorre na proposição, algo deve ocorrer no mundo, no caso do enunciado ser uma figura correta da realidade.
6. Pensamento e linguagem são uma e a mesma coisa.
7.O pensamento é constituído de proposições complexas, que ligam entre si nomes, signos simples dos objetos.
8.Limites da Linguagem: dizer e mostrar. Não é possível "retratar" as semelhanças existentes entre um retrato e o objeto retratado, também não é possível "dizer" , expressar mediante enunciados a forma lógica comum à linguagem e à realidade. Esta apenas se mostra, não se diz.
9.As expressões que não descrevem nenhum estado de coisas possível não tem sentido, pois não figuram nada. Entre este tipo de expressões sem sentido, isto é, que nada descrevem que aconteça na realidade, encontram-se as expressões filosóficas sobre a natureza das coisas, os valores, o sentido da vida, etc. Tratam-se de expressões que transcendem o mundo e portanto carecem de sentido.
10. A filosofia nada pode dizer acerca do mundo, pois não é uma ciência, nem uma forma de conhecimento;
11. A filosofia é uma atividade de análise da linguagem, que nos pode ajudar a distinguir o que se pode ou não dizer. A grande tarefa da filosofia consiste em clarificar o pensamento e nada mais.
O Tratado assume um concepção universal do Homem, desprezando não apenas a história, mas também as diferentes culturas. A linguagem e o pensamento a que se refere é uma Linguagem e um Pensamento comum a todos os homens independentemente da sua origem ou cultura. A realidade ou o mundo são universalmente partilhadas por todos os homens e têm apenas um único significado. A partir de 1929, Wittgenstein abandona esta matriz universal da linguagem, fazendo-a depender cada vez mais da cultura a que está ligada. Este será o tema de fundo de Wittgenstein II.