A crise da Ucrânia foi desencadeada pela Rússia, na sequência e como resposta à iniciativa alemã de controlar o importante espaço geopolítico ucraniano, ao financiar os extremistas que fizeram a revolta em Kiev e derrubaram o Presidente Ianukovich, afecto à Rússia.
Putin considerou que era o momento oportuno para tirar partido e explorar as vulnerabilidades dos países europeus, resultantes de terem tentado resolver a crise financeira e económica em que se encontram mergulhados, também pela eleição da sustentabilidade financeira como factor prioritário para estabelecer os respectivos sistemas de forças militares, em vez do ambiente estratégico envolvente, ou seja, das ameaças prováveis e tendência da sua evolução.
Tal erro de enquadramento assentava principalmente na convicção de que a Rússia nunca mais tentaria recuperar as condições geopolíticas que ganhara à custa da Segunda Guerra Mundial e perdera no fim da Guerra Fria, pois não veria como ameaça a expansão da NATO em direcção às suas fronteiras, já que seria uma expansão de natureza benigna… Tudo hipóteses dos peritos da NATO baseadas no discurso que eles próprios construíam para justificar a continuação da aliança, agora em acções fora de área, uma vez que deixara de ser necessária a missão essencial para a qual fora criada – a defesa colectiva face ao poder russo.
De acordo com estes pressupostos, o Conceito Estratégico da NATO foi sucessivamente modificado sem considerar Moscovo como ameaça a recear, voltando as suas missões para a defesa cooperativa sobre focos de conflito que apresentassem o potencial de gerar instabilidade capaz de se projectar no espaço da aliança. Ou disponibilizando-se para actuar no quadro das Nações Unidas, participando em missões de imposição e/ou de manutenção da paz.
Esta visão estratégica reflectiu-se nos diversos conceitos dos seus Estados-membros, cuja preocupação se centrava na diminuição dos orçamentos militares, pelo que: reduziram os sistemas de forças a instrumentos quase tipo “manutenção de ordem pública”; pararam os programas de modernização e substituição de equipamentos e armamentos, com muitos dos existentes não disponíveis por falta de manutenção ou de combustível; diminuíram os efectivos, por vezes fazendo roçar o absurdo; fizeram rarear os exercícios e treinos, com efeitos negativos na capacidade operacional; e afectaram gravemente as condições materiais e morais dos militares cuja motivação ficou fortemente ameaçada.
A ofensiva russa na Crimeia, alterando fronteiras ao arrepio da lei internacional, bem com as suas pressões militares no Leste e Sul da Ucrânia, mostrou que Putin está determinado a agir pela força para recuperar as vantagens geopolíticas perdidas com o descalabro da União Soviética, que ele já tinha considerado (parece que ninguém ouviu) o maior desastre geopolítico do século XX. Através de uma combinação de forças especiais infiltradas apoiadas por fortes barragens mediáticas e seguidas por colunas militares de modelo tradicional prontas a avançar.
E Putin também está disponível para sofrer retaliações económicas significativas, embora saiba que será difícil que os membros europeus da NATO as queiram desencadear, uma vez que teriam efeito de boomerang nas próprias economias, profundamente entrelaçadas com a economia russa, nomeadamente a da Alemanha.
Ou seja, os conceitos estratégicos em vigor estão desactualizados e precisam de ser urgentemente ajustados, dando prioridade ao factor ambiente estratégico envolvente para os redefinir. Tanto o da NATO (de 2010) como o dos seus membros europeus. Recorde-se que o nosso conceito estratégico de defesa nacional foi aprovado em 2013. No respeitante ao vector militar, já não serve.